Perspectivas futuras para o controle da pandemia de COVID-19

Por Prof. Crispim Cerutti Junior e Prof. Moisés Palaci*

Professores analisam, em artigo, soluções epidemiológicas, de tratamentos e de vacinas em desenvolvimento, que buscam fazer frente à pandemia provocada pelo novo coronavírus

A humanidade se defronta com um problema de saúde pública cujas dimensões não se via há 102 anos. As economias globais balançam à beira do precipício, expostas a riscos por dois lados. Por um lado, o processo de quarentena e isolamento social é um remédio amargo que compromete a produção e a geração de renda. Entretanto, a via alternativa, ou seja, abrir mão de medidas de contenção, implicará em grande número de mortes, sobrecarga dos sistemas de saúde, caos social e, no médio prazo, perdas econômicas ainda maiores do que aquelas resultantes do isolamento social. A pandemia atinge hoje (29 de março) todos os países do mundo, com 719,5 mil casos e quase 34 mil mortes, alcançando uma letalidade de 4,7%, maior do que a inicialmente estimada. No Brasil, são 4.256 infecções e 136 mortes, perfazendo uma letalidade de 3,2%. O que acontecerá? Qual deve ser o nosso posicionamento diante deste quadro?

Uma coisa é certa. Não nos cabe a posição de pretendermos que nada está acontecendo. Está havendo e haverá mudanças profundas em nossas relações sociais, em nossa situação financeira e nas tarefas que deveremos desempenhar para reconstituir nosso processo de trabalho quando tudo isso terminar. O mundo inteiro adota a conduta de restrição à mobilidade, mantendo as pessoas ao máximo possível dentro de suas casas. Os números são eloquentes para mostrar que o contrário implica em danos insuportáveis. Vamos examinar a hipótese do isolamento vertical, ou seja, manter a livre circulação de pessoas e isolar apenas aqueles com mais de 60 anos. Os números nos indicam uma letalidade de 0,5% entre os jovens sem comorbidades. Também há evidências de alta transmissibilidade do vírus. Em uma população como a do Brasil, imaginemos que 100 milhões de pessoas sejam prováveis futuras infectadas. Se estamos protegendo os idosos, vamos subtrai-los deste montante. Seriam, então, 85 milhões de jovens previamente saudáveis infectados pelo vírus. Destes, 0,5% morrerão, ou seja, 425 mil mortes de pessoas jovens, sem problemas prévios de saúde. Porém, vamos voltar aos idosos. Nenhum processo de isolamento é 100% efetivo. Imaginemos que a execução deste isolamento dos idosos funcione bastante bem e haja apenas um percentual de falha de 10%. Serão 1,5 milhões de infecções em pessoas com mais de 60 anos. Ora, a letalidade nesta parcela da população é de 15%, ou seja, serão mais 225 mil mortes a serem somadas às 425 mil entre jovens, atingindo-se 650 mil mortes no total. A circunstância macabra é que, neste cenário, teremos invertido a tendência, sendo mais de 60% das mortes incidentes em jovens previamente saudáveis. Sem dúvida, este é um custo muito alto para a tentativa de manter uma pretensa normalidade social.

Quanto ao progresso da pandemia, tudo depende da persistência ou não da imunidade adquirida. Se cada infectado permanecer imune após a infecção e se mantivermos as restrições que estão sendo mantidas até agora, os outros países nos mostram que isso deve se manter por dois ou três meses, mas o problema não acaba aí. Após o declínio da curva epidêmica, ainda haverá um grande contingente de suscetíveis e espera-se possivelmente novas ondas, com novas curvas epidêmicas e novas necessidades de restrição à mobilidade. Se tomarmos como modelo a gripe espanhola, isso pode durar três anos. Dificilmente, o mundo aguentará esse tempo todo. Nossa esperança repousa em nossa capacidade de desenvolver tratamentos e vacinas, o que já vem aparecendo na forma de esforços de diversos grupos no mundo inteiro. Há notícias de dezessete protocolos de desenvolvimento de vacinas, dez de antivirais, oito de anticorpos monoclonais, seis de imunobiológicos, três de quimioterápicos redirecionados, três de nanomoléculas e um de estudo de terapia com células tronco. Abaixo, apresentamos uma síntese dos mais promissores que poderão contribuir significativamente para o controle da pandemia de COVID-19 em curto e médio prazo:

Vacina Ad5-nCoV

Esta vacina é um esforço conjunto da empresa chinesa CanSino Biologics, do Instituto de Biotecnologia de Pequim e da Academia Militar Chinesa de Ciências Médicas. Ela é baseada em tecnologia recombinante e utiliza como vetor o adenovírus tipo 5. Encontra-se em fase I na China e demonstrou respostas imunes robustas em modelos animais.

Enzima conversora da angiotensina 2 recombinante humana

Desenvolvida pela austríaca Apeiron Biologics, foi inserida em estudo de fase II na China, no final de fevereiro, em 24 pacientes, com um período de estudo de sete dias. Os resultados não foram divulgados.

Anticorpo monoclonal IgG4 humanizado antagonista do CCR5

Desenvolvido pela norte-americana CytoDyn, está sendo incluído em estudo de fase II em 10 centros dos Estados Unidos, com previsão de inclusão de 75 pacientes.

Favipiravir

Antiviral produzido pela japonesa Fujifilm Holdings e pela chinesa Zhejiang Hisun Pharmaceutical. Possui amplo espectro antiviral. Em ensaios clínicos em 340 pacientes em Wuhan e Shenzen, a droga produziu resultados positivos, que incluíram a redução do tempo para negativação dos resultados dos pacientes de 11 dias para quatro e a melhora das condições respiratórias de 91% dos indivíduos tratados, quando tal melhora foi observada em apenas 62% dos controles.

Tocizilumab

É um anticorpo monoclonal humanizado, desenvolvido pela Roche, que bloqueia o receptor da interleucina-6 e tem sido utilizado para o tratamento da artrite idiopática juvenil. A Roche está para iniciar um estudo de fase III direcionado ao SARS-CoV 2. A expectativa é de que o estudo seja iniciado no começo de abril e envolva 330 pacientes em todo o mundo.

Plasma de indivíduos convalescentes

Tal plasma, rico em anticorpos neutralizantes do vírus, foi utilizado em cinco pacientes na China refratários às medidas terapêuticas, observando-se rápida melhora a partir de sua administração.

Cloroquina e hidroxicloroquina

A cloroquina é uma 4-aminoquinoleína, um derivado sintético do quinino, que tem sido usado há muitas décadas para o tratamento da malária. Hidroxicloroquina é um derivado menos tóxico da cloroquina utilizado no tratamento de doenças reumatológicas. Sua eficácia contra coronavírus já é conhecida em modelos experimentais desde a epidemia de SARS em 2002 e 2003. São bases fracas que aumentam o pH das vesículas intracitoplasmáticas e, com isso, interferem na replicação viral. Além disso, possuem efeito imunomodulador, melhorando a resposta imune celular. Uma vez que seu efeito em relação ao SARS-CoV 1 já era conhecido, as drogas têm sido utilizadas em diversas ocasiões ao longo da pandemia, com resultados positivos. Agora, um grande estudo multicêntrico está para ser iniciado com o objetivo de avaliar adequadamente a sua eficácia. Contudo, a indicação de seu uso em pacientes graves já é amplamente aceita. Um grupo francês apresentou resultados preliminares de um ensaio clínico aberto que avalia a administração de hidroxicloroquina e azitromicina em combinação para pacientes internados com COVID-19. A publicação revela resultados positivos em 20 pacientes tratados em comparação a 16 controles. Em relação à resolução da infecção, a combinação das duas drogas mostrou-se melhor do que o resultado da hidroxicloroquina individualmente.

Remdesivir

Considerado um dos mais promissores, o Remdesivir é um medicamento da Gilead Sciences que foi testado originalmente em pacientes com Ebola. Este antiviral é incorporado ao RNA viral e impede sua síntese, interrompendo a replicação do microrganosmo. Recentemente, a Food and Drug Administration (FDA ou USFDA) que é uma agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, aprovou o uso de Remdesivir para uso compassivo, o que significa que apenas pacientes com doença grave de COVID-19 podem ser aprovados para tratamento. Atualmente, cinco ensaios clínicos na China e nos EUA estão avaliando se o Remdesevir pode reduzir as complicações ou diminuir o curso da doença em pacientes com COVID-19.

A nossa vantagem em relação aos nossos antepassados que atravessaram a pandemia de influenza é de que, atualmente, temos um suporte científico e tecnológico muito maior. O desenvolvimento de fármacos e agentes imunizantes é extremamente rápido nos dias de hoje, o que se apresenta como uma certeza em nossa capacidade de abreviar a história natural da presente pandemia. Diante do exposto, o que parece ser mais racional é a estratégia de retardarmos ao máximo o seu avanço como forma de ganharmos tempo até que uma estratégia terapêutica sólida esteja disponível. Daí a importância de cada cidadão, fazer a sua parte no processo de controle da COVID-19 e aderir às decisões governamentais que devem ser desprovidas de ideologias políticas e fundamentadas na ciência e no respeito a vida.

 

*Prof. Crispim Cerutti Junior é infectologista e docente do Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas da Ufes

Prof. Moisés Palaci é microbiologista e docente do Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas da Ufes

Publicado em 1° de abril de 2020.

Foto: Geralt/ Pixabay

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