A falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e para além deles: a emergência do trabalho dos profissionais de saúde

Profissional de saúde usando EPI

Por Profa. Luzimar dos Santos Luciano e Profa. Leila Massaroni*

Estamos assistindo aos relatos dos profissionais de saúde e autoridades sanitárias sobre a falta de Equipamento de Proteção Individual (EPI) para o exercício da atividade de trabalho no setor de saúde nesses tempos de pandemia pelo coronavírus. Nunca se ouviu falar tanto sobre os EPIs e sobre os profissionais da saúde, e o quanto eles são necessários e essenciais neste momento. Essa matéria tem sido recorrente nos noticiários cotidianos e nos convoca a refletir em muitos aspectos nos quais essa problemática nos afeta e se perpetua, em especial, esses temas invisíveis até pouco tempo atrás para a maioria das pessoas e para a grande mídia, e que hoje são muito bem demarcados no nosso existir diário.

O EPI é necessário porque é um dos dispositivos de segurança que existem para a proteção individual diante de uma atividade de risco e sendo o último recurso a ser acionado diante de outras possibilidades de proteção coletiva que não se tem possibilidade em um determinado ambiente de trabalho. E no setor saúde, por constituir-se de uma série de riscos, sejam eles biológicos, químicos, físicos, ergonômicos, mecânicos ou psicossociais, deve-se ter o cuidado e garantia para a segurança no exercício da atividade desse profissional e o EPI se faz necessário.

Não podemos deixar de atentar para a real e devida importância dos EPIs, bem como para a obrigatoriedade e a responsabilidade do empregador de viabilizar os meios de qualquer natureza para prover e dispor desse equipamento de segurança para o exercício do profissional. Mas é importante, também, desvelar outros fatos para além da falta deles e colocar em questão os demais fatores que contribuem para o adoecimento do profissional, como: a quantidade insuficiente, a qualidade do material comprometida, o uso incorreto desses EPIs. Apontarmos, ainda, para a organização do trabalho, que muitas vezes impossibilita que esse trabalhador tenha condições de proteção adequadas para o uso correto do EPI, por jornadas intensas de trabalho, em ritmo acelerado, em especial no cuidado com o paciente grave, sem pausa ou descanso, pela falta de recursos materiais e humanos insuficientes para dar conta da demanda, além de outros fatores como: a existência prévia de um profissional já adoecido no setor, agravando o quadro diante dessa situação pandêmica, e a falta de profissionais capacitados na função.

Estudos de várias partes do mundo evidenciam que os profissionais de saúde são alvo de adoecimentos constantes decorrentes de seu trabalho, com casos de estresse, fadiga por compaixão, síndrome de burnout, doenças osteomusculares, cardiovasculares, metabólicas, depressão e outras de ordem psíquica, incluindo o suicídio. O fato não é novo: existem evidências científicas da realidade desses trabalhadores e a situação da pandemia tende a agravar e intensificar a situação.

Descortinar essa realidade nesse momento se torna importante porque são trabalhadores que cuidam de outras pessoas, em especial, em situação de sofrimento e doença, que também adoecem ou estão adoecidos. Desse modo, precisamos garantir a esses profissionais condições de trabalho dignas, decentes, seguras, com carga horária e salário justos, porque não são apenas essenciais no momento especial do agora, mas em toda a existência dessa vida em sua dinâmica social; e se olharmos a saúde como um direito humano, a sua essencialidade não pode se restringir a um momento de caos como estamos vivendo hoje.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 10% dos profissionais adoecem em decorrência de seu exercício profissional nessa pandemia. Mas verificamos que, em países como Itália, Espanha e Portugal, esse quantitativo foi maior, e pôde variar de 12 a 20% dos profissionais de saúde. Em um levantamento recente realizado no Rio de Janeiro, foi evidenciado que 25% dos profissionais de saúde estavam contaminados pela COVID-19. No Estado do Epírito Santo, cresce exponencialmente, de maneira progressiva, a cada dia, o número de profissionais contaminados. Esse é um dado muito grave, pois quem irá cuidar desses profissionais? Que garantia terão diante de seu futuro? Quem substituirá essa mão de obra? Quais os fatores do processos de trabalho que vêm potencializando a disseminação da contaminação nesses profissionais? Nenhum profissional substituto consegue manter a mesma organização do processo de trabalho como o anterior. Demora um tempo considerável para que de fato a substituição de um profissional não acarrete prejuízo ao cuidado a ser prestado a uma pessoa doente, e em especial, dessa doença, e a uma organização institucional. Desse modo, trava-se aí, também, um grande problema na gestão do trabalho em saúde e um grande desafio para quem está nessa coordenação dos serviços de saúde: o de manter a qualidade da assistência aos usuários do serviço daquele serviço.

Ao analisarmos as categorias das profissões da área da saúde, destacamos a enfermagem, por ser uma profissão que representa quase 70% da força de trabalho nessa área, como uma das mais afetadas, constituída de profissionais de nível médio (auxiliares e técnicos) e de nível superior (enfermeiros). Estão presentes 24 horas, no cuidado ininterrupto, e atuam desde o domicílio, junto às pessoas no seu território de moradia, na atenção primária, até o nível mais complexo da assistência em nível hospitalar. Estão na linha de frente do cuidado junto com outros profissionais, como os médicos, que também compõem uma categoria muito afetada pela doença.

Hoje já identificamos vários profissionais de saúde que morreram por causa da COVID-19 e, no Brasil, a grande maioria é da Enfermagem. Precisamos urgentemente intervir o mais precocemente possível na garantia de segurança no exercício da atividade de trabalho, com processos e ambientes de trabalho seguros, com quantidade e qualidade suficientes dos EPIs, vida de uso dos mesmos em conformidade com a situação e os protocolos, garantia de capacitação de profissionais adequada para o enfrentamento da epidemia e organização do trabalho de modo a se ter uma regulação de carga horária de trabalho menos intensa, com distribuição adequada das atividades de serviço, de modo a evitar que se tenha trabalhador fazendo 24 e 36 horas ininterruptas, com a existência de pausas durante a jornada de trabalho e garantia de uso de um novo EPI, com descanso horizontal adequado para aqueles de trabalho noturno e supressão de qualquer medida gerencial, legislativa ou governamental que venha ainda a penalizar o trabalhador da saúde (uma delas é a Medida Provisória 927, que permite a ampliação da jornada e a redução do descanso dos profissionais da enfermagem durante a pandemia); somado aos outros fatores que interferem na qualidade de vida do trabalhador brasileiro que já vive na atualidade muito precariedade.

O contexto de hoje agrava uma preocupação sobre os profissionais de saúde que se encontram com medo de ir para o trabalho, dos riscos de contaminação de seus familiares, da falta de equipamentos de segurança, da insegurança se terão condições de se manterem firmes diante desse caos e da exploração de mão de obra por contratos de trabalhos frágeis e precarizados em muitas instituições de saúde.

Desse modo, reforçamos ser indispensável a garantia dos EPIs, pois a falta dos mesmos é dramática e gera mais vulnerabilidade, mas ressaltamos que os problemas que afetam os profissionais de saúde vão além deles, como já mencionado. São fatores hoje que entram em sinergia e que colocam esses profissionais no agravamento de uma situação de extrema emergência. É necessário descortinar a real importância e desafios que se impõem no exercício do trabalho em saúde. Precisamos cartografar essa situação, pois diante de uma situação sem uma imagem objetiva do futuro, não sabemos como chegaremos adiante. Assim, torna-se primordial a atuação das entidades de classe dos profissionais, assim como o Ministério Público do Trabalho e outras instâncias e instituições, no sentido de acompanhar as demandas dessas respectivas categorias agora e no futuro, pois, com certeza, esse fato nos revelará uma situação adiante e suas consequências de um estresse pós-traumático, como evidenciado em situação de guerra e pós-guerra.

Referências bibliográficas

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ESPECIAL CORONAVIRUS: as primeiras vítimas 25% dos profissionais de saúde do Rio de janeiro testados tinham Covid19. Jornal O Globo. 8/4/2020. Rio de Janeiro.

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*Profa. Luzimar dos Santos Luciano é docente do Departamento de Enfermagem - CCS-Ufes

*Profa. Leila Massaroni é Coordenadora do Comitê Operativo de Emergência para o Coronavírus da Ufes (COE-Ufes)

Publicado em 6 de maio de 2020

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