Um pouco sobre ecologia, evolução, patógenos, saúde e COVID-19

Por Professor Aureo Banhos*

Neste artigo, o professor esclarece sobre o patógeno, o hospedeiro, a transmissão e sua relação com a Ecologia

1. O modo de transmissão, se por vias rápidas ou lentas, horizontal ou vertical, por vetores ou não, influencia a virulência do patógeno (capacidade de matar o hospedeiro). O patógeno terá sucesso se conseguir se reproduzir o máximo e persistir ao longo do tempo, mas para isso ele precisa do hospedeiro. Se o hospedeiro estiver comprometido (debilitado e/ou bastante infestado), precisará de outro. Para alcançar outro, precisará ser transmitido. Se precisa de um vetor para isso, poderá demorar mais para ser transmitido. Se precisa apenas do meio físico, por exemplo, pela água, poderá ser rápido. Se precisa do ar, a transmissão poderá ser ainda mais rápida. Quanto mais rápido for o meio de transmissão, mais virulento poderá ser o patógeno, pois ele tem mais chances de ser transmitido antes de derrubar o hospedeiro e terminar junto com ele. Por isso, doenças de veiculação hídrica e aérea são perigosas. Que bom que temos medicamentos e mecanismos de prevenção para lidar com grande parte dos patógenos dessa natureza (as farmácias estão cheias de medicamentos para gripe e diarreia e as agências de saúde, cheias de vacinas), ao passo que temos menos para lidar com aqueles por veiculação por vetores (exceto pelos inseticidas que enchem as prateleiras dos mercados).

Estamos criando patógenos mais resistentes aos medicamentos (seleção artificial involuntária de patógeno pelo uso indiscriminado de medicamentos, mas também pelo uso indicado correto) e ainda assim produzindo novos medicamentos eficientes, sem grandes problemas (sucesso!).

Por outro lado, sabemos tanto sobre os efeitos positivos do saneamento básico na saúde e contra doenças de veiculação pelo meio físico e vetores biológicos (~1 dólar investido em saneamento economiza ~3 a 5 dólares em saúde), mas não fazemos uso racional dessa informação. O problema é que a via da saúde pelo saneamento depende de educar muita gente a agir de acordo com a razão, e as pessoas fazem o que outras estão fazendo, não seguem razão. Além disso, a indústria de medicamento é muito mais forte que a indústria de saneamento. Um dia, talvez, o saneamento será salvação alternativa derradeira aos medicamentos. Será?

2. Mas e o patógeno, pode ficar por aí sem ser combatido?

Caso o patógeno não seja combatido ou seu meio de transmissão cuidado ou o vetor eliminado, o patógeno vai evoluir naturalmente. Entretanto, a evolução do patógeno por seleção natural será principalmente no sentido de diminuir a virulência e mais rápido do que o hospedeiro possa adquirir resistência (ainda mais hospedeiros com longo tempo de geração, como grandes vertebrados, como os humanos). Afinal aqueles patógenos que derrubam os hospedeiros se vão com ele. Enquanto aqueles patógenos que não derrubam antes de serem transmitidos podem ter "vida eterna" (pela continuidade na reprodução assexuada, exceto pelas mutações) dentro do mesmo tipo de hospedeiro e sendo transferido de hospedeiro (entre espécies diferentes). Antes disso acontecer, o patógeno deve derrubar muitos hospedeiros (isso é um problema, nem tudo que é natural é bom!), até que permaneçam aqueles menos virulentos. Isso foi observado, por exemplo, no controle biológico de coelhos introduzidos na Austrália a partir da Europa: os coelhos viraram praga na Austrália. Para controlar a praga, introduziram um vírus comum de coelho americano, que não era virulento neste, mas era muito no coelho europeu. Menos de uma década foi o suficiente para o vírus deixar de perturbar tanto o novo hospedeiro: apesar da grande baixa na população de coelho, a população voltou a crescer e continua sendo uma praga.

Na questão de saúde humana, não podemos nos dar o luxo de deixar morrer milhões de pessoas até que o patógeno diminua sua virulência, seria muito custoso para nós humanos, seria um atentado a nossa moral e ética. Então, a busca pelo controle dos patógenos por vias médicas e sanitárias, bem sucedida, é desejável para nós.

3. Se as Ciências Biológicas/Ecologia fossem usadas para cuidar de questões de saúde, certamente não teríamos uma superpopulação e o controle populacional teria forte viés pela linha do "natural". Felizmente quem cuida das questões científicas de saúde são principalmente as Ciências Biológicas/Médica, que aumentaram saúde das pessoas, mas consequentemente ajudaram a gerar uma superpopulação (mas a superpopulação por si só não é mais problema do que a desigualdade e o consumismo, onde ~20% das pessoas impactam mais a Terra que ~80%). Se as pessoas querem viver (com raras exceções são as que não querem, afinal todos são viciados na vida, no ar que nos liga...) com saúde e viver muito, e não se preocupar tanto com a morte (própria ou do próximo), elas tem mais razões para confiar nos médicos do que nos ecólogos. Não é à toa que o p-valor da Medicina muitas vezes tem intervalo maior que o da Ecologia [p-valor é o valor de probabilidade (p) de significância estatística]. Via de regra, um erro médico tem custo muito maior para vida de uma ou de algumas pessoas do que um erro de um ecólogo, exceto se eles trocarem de área de forma desautorizada.

4. Sobre o COVID-19, em cidades com mais recursos e logística o patógeno está circulando mais. E tais cidades têm condições de cuidar melhor dos seus doentes. O problema pode ser crítico se o vírus chegar na periferia do mundo intensamente. Parece que não chegou, devido talvez à falta de logística, à menor aglomeração de pessoas ou algum tipo de controle. Ou devido também a outras questões, como clima e comportamento do vírus.

O fato é que o público acadêmico, executivo, empresários e outros turistas são os que circulam mais entre estados e países. Assim, esse público deve ser o que mais espalha os vírus pelo mundo e o introduz novos locais. Só depois os seus empregados, colegas, familiares, relacionamentos, comunitários...

Então, aos acadêmicos e alunos, cuidem-se! Sigam a recomendações das Ciências Biológicas/Médica. Fiquem em casa estudando, escrevendo e cuidando da família! Ou buscando solução para o problema, na retaguarda, caso as Ciências Biológicas/Médica falhem.

Aureo Banhos é Professor de Genética, Evolução e Conservação da Ufes

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