Tensão, compromisso, união: a rotina dos profissionais de saúde do Hucam na pandemia

Desde que a pandemia de coronavírus chegou ao Espírito Santo, a realidade do Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam-Ufes) mudou bastante. As rotinas ficaram mais intensas, as jornadas estão mais exaustivas. “Estamos diante de um ‘novo normal’. Lidamos com uma alta demanda de pacientes suspeitos de COVID-19 e, por outro lado, houve a redução de atendimento de ambulatório. Para dar conta desse momento, muitos profissionais foram deslocados de setor, para apoiar os setores que estão com demanda ampliada”, descreve o médico cardiologista Leandro Rua, que é chefe da Urgência e Emergência do Hospital.

Apesar de não ser hospital de referência para a COVID, o Hucam-Ufes recebe pacientes com suspeita da doença em seu ambulatório (para posterior encaminhamento a outro centro de atendimento) e lida com pessoas internadas por causas diversas, mas que também estão contaminadas. Além disso, para desafogar os hospitais do estado que são referência no atendimento à COVID, o Hospital Universitário passou a receber pacientes transferidos de outros locais com hemorragias digestivas, intoxicação e necessidade de tratamento para raiva motivado por mordedura de cachorro, entre outras enfermidades. “Pode ocorrer desses pacientes estarem recebendo tratamento em outra área e manifestarem COVID. É difícil segregar totalmente as doenças, a Secretaria de Estado de Saúde (Sesa) vai decidir se ele permanece no hospital ou se será transferido para outro, caso a caso”, explica Leandro Rua.

Devido à pandemia, os profissionais de saúde têm lidado, simultaneamente, com o aumento do volume de trabalho e com uma necessidade maior de cuidados com os pacientes e consigo mesmos. A técnica de enfermagem da Ufes Ana Cristina dos Santos (foto) conta que abriu mão da jornada reduzida, de 30 horas, para voltar a fazer plantões e colaborar com a equipe.

“A pandemia tem exigido mais de nós, física e emocionalmente. Lidamos com uma quantidade maior de pessoas internadas, algumas precisam ficar internadas por vários dias e, por conta da pandemia, muitas ficam sem acompanhante. Então nós, profissionais de saúde, ficamos responsáveis por todos os cuidados. E precisamos trabalhar o tempo todo completamente paramentados, o que é mais cansativo e nos leva a fazer menos intervalos para comer ou ir ao banheiro, já que para isso é necessário retirar todo o equipamento e cuidar para evitar os riscos de infecção”, relata Ana Cristina, que também é enfermeira graduada e representante substituta dos profissionais do Hucam no Conselho Universitário da Ufes.

Na hora do intervalo, para evitar o contágio, os profissionais têm se revezado no espaço de descanso, para evitar aglomerações. “Onde fica nossa copa e o banheiro, tomamos o cuidado de só um tirar a máscara para lanchar e beber água de cada vez, para diminuir os riscos”, conta a auxiliar de enfermagem e pedagoga Rebeca Pedro do Nascimento.

Ela trabalha no setor de Urologia, que lidava com cirurgias pré-agendadas e com pacientes que não exigiam uma grande quantidade de cuidados, e passou a receber quem está com o coronavírus. “A todo momento, há novos pacientes apresentando sintomas. Coletamos materiais para o exame e muitos têm dado positivo. Lidamos com várias situações complexas, como a de pacientes que não aceitam os protocolos, e a de acompanhantes que não querem usar EPI (equipamento de proteção individual), dizem que ‘tiraram só um pouco para respirar’”, relata Rebeca.

Adoecimento e luto

Além das situações estressantes inerentes ao trabalho, os profissionais de saúde convivem, ainda, com o risco de se contagiar com a COVID. Sonia Costa dos Santos foi uma das técnicas de enfermagem do Hucam que tiveram a enfermidade. “Foi angustiante, você tem os sintomas e não sabe como a doença vai evoluir”, relata. Sonia ficou 15 dias em casa, isolada, recebendo o apoio de familiares. “Sou hipertensa e tenho 51 anos. Fiquei apreensiva. Mas agora já tenho um certo conforto, porque já passou”.

A técnica de enfermagem Luzianea Fortunato Lopes, que além do Hucam trabalha em outro hospital particular, também teve os sintomas da enfermidade e ficou 14 dias afastada, mesmo antes de conhecer o resultado do teste. Em sua casa, dois idosos tiveram os sintomas e seu sogro, de 78 anos, acabou falecendo, com Síndrome Respiratória Aguda Grave provocada pela COVID e infarto. “Fiquei muito abalada com a perda do meu sogro. Foi muito doloroso perder uma pessoa querida e não poder velar, nem abraçar os familiares”, conta.

Luzianea acrescenta que toma todos os cuidados para não levar a doença para dentro de casa e, portanto, não se sente culpada pelo que ocorreu. “Sigo todos os cuidados no trabalho e, quando volto para casa, tiro o tênis, tomo banho e lavo a roupa imediatamente. Tomo sempre todos os cuidados para não transmitir a doença. Agora estamos sofrendo, mas tenho sido consolada por uma amiga, temos que seguir em frente, com muita fé, apesar da saudade”.

A nova realidade da profissão, que inclui conviver com colegas adoecendo – e os consequentes desfalques na equipe –, bem como o risco de contrair ou de repassar a doença, deixou muitos colegas angustiados e abalados emocionalmente, segundo relata Sonia, que também é psicóloga. “No início da pandemia foi a fase mais difícil, muitos colegas somatizaram, tiveram dores de cabeça, de coluna. Mas tem existido apoio, inclusive psicológico”, conta ela, que também atende colegas de profissão gratuitamente.

O atendimento aos profissionais virou também uma política de atenção aos trabalhadores do Hucam-Ufes, que agora são consultados pelos psiquiatras do hospital. “Diminuiu o atendimento externo, por conta do isolamento social, e aumentou o interno. As indefinições angustiam os servidores, não sabemos como será o futuro e até quando lidaremos com a pandemia. Mas todos têm enfrentado os desafios com muita dignidade e muita garra”, avalia o chefe da Urgência e Emergência.

Compromisso e união

O grau elevado de comprometimento dos colegas para lidar com esse aumento de demanda da pandemia foi destacado por todos os entrevistados, que ressaltam o alto grau de engajamento de cada profissional.

É o caso do auxiliar de enfermagem do Hucam-Ufes Wagner Nunes Nascimento, que é hipertenso e passou por uma cirurgia em abril do ano passado. Ele poderia ficar afastado por pertencer ao grupo de risco, mas optou por seguir trabalhando.

“Encarei o desafio devido à necessidade. Me sinto bem de saúde e, entre meus colegas, há outros com comorbidades importantes que precisaram se afastar. No meu setor, de diagnóstico por imagem, a demanda está alta e precisamos contribuir. A enfermagem do Hucam está engajada nessa luta de tratar de quem precisa e de enfrentar a COVID”, afirma o auxiliar, que é também formado em Serviço Social.

Segundo os profissionais entrevistados, a união se demonstra a cada atendimento necessário e em práticas que reforçam a união da equipe, como orações ecumênicas ao início e ao final de cada plantão em alguns setores, o que tem contribuído para lidar com os desafios diários.

Ampliação do atendimento

Para dar conta da demanda por atendimento no Estado, o Hucam-Ufes está ampliando o número de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), em uma atuação conjunta com a Sesa. Inicialmente, havia 16 leitos disponíveis, que já foram ampliados para 28. Ainda há a possibilidade de acréscimo de até 10 unidades.

Também houve a ampliação da equipe, com contratações via Sesa e via Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), para suprir a demanda por mais atendimentos e por substituição de profissionais afastados por COVID, por outros motivos de saúde ou por ser de grupo de risco.

Texto: Lidia Neves
Edição: Thereza Marinho

Publicado em 19 de Junho de 2020.

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