A Epidemiologia no enfrentamento à pandemia de coronavírus - parte 4

Por Professora Ethel Leonor Noia Maciel - Epidemiologista em doenças infecciosas

Estamos em maio, que traz consigo o prenúncio de dias difíceis.  O mês já inicia com um grupo de enfermeiras e enfermeiros sendo agredidos, após um ato pacifico em Brasília para homenagear os colegas que perderam a vida para o vírus. Dias depois, carreatas se espalham no território brasileiro, em apoio ao fim do isolamento social, contrariando as evidências científicas nacionais e internacionais.

A pressão econômica se intensifica sobre a estratégia de saúde pública. Conter o vírus versus salvar a economia vai se cristalizando como dicotomia real. Apesar de termos ações diferenciadas, a narrativa criada por grupos políticos no Brasil ganha terreno e cria seguidores nas redes sociais. Até onde os seguidores são robôs virtuais ou não? Ainda desconhecemos. Mas o fato é que há mais pessoas na rua e a rua passa a ser o espaço de insegurança. 

Criou-se uma nova expectativa: há leitos, então podemos sair. Essa narrativa que vai se consolidando, parece inofensiva e perfeitamente justificável, afinal, o colapso do sistema é tudo que queremos evitar. No entanto, algumas questões precisam ser reveladas. Primeiro, o fato de ter leito não significa que você irá sobreviver. Segundo, toda a sua história anterior de doença vai ajudar a definir ser você estará entre os que sobreviverão ou entre os que morrerão. Por fim, sua idade e fatores socioeconômicos irão influenciar sua sobrevida. Todos esses fatores se misturam para trazer uma conclusão perversa: a pandemia revela que a pobreza faz mal à saúde!

Dois fenômenos estão se consolidando: a interiorização da doença e a pauperização dela. Sobre o interior, uma preocupação se impõe, pois houve a abertura de setores que antes estavam fechados. Necessário se faz abordar com cautela essa modificação. Em uma pandemia onde o comportamento é fator importante na propagação da doença, procurar entender a razão das pessoas procurarem itens não essenciais durante uma pandemia pode falar muito sobre a percepção de risco da população. A ideia de que você saia para comprar roupa ou sapato, mesmo não necessitando destes itens, pode indicar a dificuldade de compreensão da gravidade do momento e a pouca penetração da comunicação formal dos veículos governamentais em camadas da sociedade. A falta de veiculação de propaganda sobre a doença e as formas de prevenção, de forma que possa chegar e modificar o comportamento das pessoas, talvez seja um dos grandes desafios dessa pandemia.

Disparos do WhatsApp e de chatbots têm sido utilizados por outros países com sucesso. No Brasil, esse uso tem sido pouco por mecanismos oficiais para levar a informação e combater as fake news. Os chatbots, que são programas de computador que tentam simular um ser humano, com o objetivo de responder perguntas de forma que se tenha a sensação de conversar com outra pessoa e não com um programa de computador, têm sido sucesso na África, onde há um alto nível de analfabetismo. Se tomarmos como exemplo essas iniciativas que focam em pessoas com dificuldade para leitura e compreensão de texto, parcela importante também da população brasileira, pode nos ajudar a influenciar positivamente as mudanças de comportamento necessárias durante a pandemia. 

A dificuldade está no fato de não se compreender que, apesar de serviços não essenciais estarem abertos, a pessoa não precisa consumi-los. O correto é resguardar-se de riscos e não frequentar locais que, por segurança, podem ser evitados.

O que deve ficar claro é que o fim (ou o relaxamento) dos decretos de isolamento social, não significa que a pandemia acabou, significa simplesmente que há lugar para você na UTI e isso, por si só, como os dados estão mostrando no Brasil e no mundo, sem uma vacina ou medicamento efetivo, não garante sua sobrevivência.

Leia também os artigos anteriores desta série:
A Epidemiologia no enfrentamento da pandemia de coronavírus 
A Epidemiologia no enfrentamento à pandemia de coronavírus - parte 2
A Epidemiologia no enfrentamento à pandemia de coronavírus - parte 3

Foto ilustrativa: Governo do ES

Publicado em 11 de Maio de 2020.

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