A Epidemiologia no enfrentamento da pandemia de coronavírus - parte 7
Por Professora Ethel Leonor Noia Maciel*
Tenho recebido muitas perguntas sobre o que significa de fato, o Rt. Vou começar do início, explicando da forma o menos técnica possível, para que o entendimento seja de todos. Na parte 1 dessa série, eu já havia abordado a questão do R0. Para explicar o Rt é preciso entender o R0. E para entender esses conceitos epidemiológicos, será preciso entender alguns outros conceitos como endemia, epidemia e pandemia. Endemia pode ser conceituada como a ocorrência de um agravo dentro de um número esperado de casos para aquela região, naquele período de tempo, baseado na sua ocorrência em anos anteriores. Desta forma, a incidência de uma doença endêmica é relativamente constante, podendo ocorrer variações sazonais no comportamento esperado para o agravo em questão. Epidemia representa a ocorrência de um agravo acima da média (ou mediana) histórica de sua ocorrência. O agravo causador de uma epidemia tem geralmente aparecimento súbito e se propaga por determinado período de tempo em determinada área geográfica, acometendo frequentemente elevado número de pessoas. Quando uma epidemia atinge vários países de diferentes continentes, passa a ser denominada pandemia, como foi o caso da COVID-19.
Em Epidemiologia, chamamos de R0 a capacidade de contágio de um micro-organismo. Pode ser dito que uma doença infecciosa se torna endêmica quando, em média, cada pessoa infectada está infectando exatamente uma outra pessoa (em termos matemáticos, R0=1). Um número maior que 1 (R0>1) irá fazer com que o número de pessoas infectadas cresça exponencialmente e, dessa forma, haverá uma epidemia. Por outro lado, qualquer número menor que 1 (R0<1) levará à eliminação da doença. No caso desta pandemia (epidemia com espalhamento global), o R0 é de aproximadamente 3, ou seja, cada pessoa infecta três, que infecta mais três e assim por diante, em escala exponencial.
No entanto, quando estamos no curso de uma epidemia, queremos saber não o R0 como medida estática, queremos entender com o R0 se comporta no tempo. Portanto, como ele muda para mais ou para menos dependendo das medidas de prevenção que estamos adotando. Essa medida do R0 no tempo, chamamos de Rt (R0 no tempo, ou velocidade de contágio no tempo). No caso da COVID-19, estamos mais interessados em saber como essa velocidade pode ser alterada semanalmente, pois consideramos que as medidas podem demorar pelo menos duas semanas para ter alguma mudança.
Na figura 1 mostramos como nosso Rt estava no início da epidemia e como ele foi se modificando à medida que as ações foram sendo implementadas. No final de marco início de abril o Rt estava acima de 3. Uma velocidade de contágio muito alta que permitia, como exemplo que aproximadamente 10 pessoas transmitem para 38, que transmitem para 144 e assim em (uma multiplicação por 3,8) uma função exponencial. Observe que as medidas adotadas no estado do Espirito Santo foram efetivas e conseguiram reduzir em mais da metade o Rt no início de maio, diminuindo assim a velocidade de contágio. Até o dia 15 de maio, 10 pessoas transmitiam para 17 que transmitiam para 29 em uma velocidade bem inferior ao contágio observado no início de abril.
Figura 1- Evolução da velocidade de contágio (Rt) no Espírito Santo
O que isso de fato significa? Significa que, considerando que do percentual de pessoas contaminadas, em torno de 15% irá desenvolver doença grave e precisarão de internação, destas, um número um pouco menor, em torno de 5%, necessitará de tratamento intensivo e, mesmo com acesso a internação e respiradores, em torno de 60% poderá ir a óbito. A figura 2 apresenta esse cenário, a título de ilustração dessa explicação.
Figura 2- Evolução dos casos da COVID-19
Se pensarmos que em uma velocidade de contagio de 1,7 e portanto, muito menor do que estávamos no início, ainda há um número de perdas de vidas evitáveis importante. Quando falamos e R0 ou Rt, o que estamos querendo dizer sempre é em vidas perdidas, mortes que poderiam ser evitadas. Para alguns, quando falamos de 5% pode parecer pouco, mas quando calculamos 5% em uma população de 4 milhões de pessoas, esse número passa a ser bem expressivo, siginificando em torno de 200 mil pessoas em estado grave, em um curto período de tempo, e dentre essas, muitas pessoas que poderão perder suas vidas por uma doença que poderia ser evitada com medidas mais enérgicas.
A Epidemiologia, como ciência que estuda a disribuição e os determinantes das doenças nas populações, se preocupa em descobrir formas de atuação para minimizar essas mortes e sequelas de doenças. Em se tratando de uma doença nova, na qual ainda desconhecemos muitos aspectos, minimizar o número de pessoas contaminadas significa, também, colocar menos pessoas sob o risco de desfechos incertos, mudanças de comportamento do vírus e principalmente submeter famílias a experiências dolorosas e algumas vezes traumáticas, tendo em vista que nesta doença, a visitação durante a internação é proibida e para algumas famílias, o último momento para relembrar do ente querido vivo, é o momento em que ele entra na ambulância. Por isso, vamos lutar sempre para salvar vidas e evitar mais sofrimento no mundo! E só há uma estratégia para isto, no momento, o isolamento e o distaciamento social! Proteja-se a si e aos outros!
Leia também os artigos anteriores desta série:
A Epidemiologia no enfrentamento da pandemia de coronavírus
A Epidemiologia no enfrentamento à pandemia de coronavírus - parte 2
A Epidemiologia no enfrentamento à pandemia de coronavírus - parte 3
A Epidemiologia no enfrentamento à pandemia de coronavírus - parte 4
A Epidemiologia no enfrentamento da pandemia de coronavírus - parte 5
A Epidemiologia no enfrentamento da pandemia de coronavírus - parte 6
*Professora Ethel Leonor Noia Maciel é epidemiologista em doenças infecciosas do Departamento de Enfermagem da Ufes. É uma das responsáveis pelo Laboratório de Epidemiologia do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Ufes
Foto: Fernando Zhiminaicela/ Pixabay
Publicado em 3 de Junho de 2020.