A Epidemiologia no enfrentamento da pandemia de coronavírus - parte 8

Pessoas com EPI vestem máscara e oferecem álcool em gel para adolescentes em fila

*Por Professora Ethel Leonor Noia Maciel

Mais de 1 bilhão de estudantes ainda estão sem aulas presenciais nas instituições de ensino. Chamarei de escola toda instituição de ensino para facilitar o diálogo.  Devido à suspensão das atividades presenciais nas escolas em âmbito mundial desde o início da pandemia, temos notícias de que mais de 70 países já anunciaram planos de reabrir escolas. Entretanto, centenas de milhões de estudantes e seus familiares se perguntam apreensivos: nós devemos retornar?

Penso que a pergunta está equivocada. As perguntas corretas a serem feitas seriam: como e quando estaríamos preparados para esse retorno? E para essa resposta, mais perguntas se abrem: A pandemia está controlada? Os trabalhadores serão testados regularmente? Os estudantes serão avaliados todos os dias na entrada na escola? Como serão implementadas as medidas para impedir o bullying e dar apoio aos estudantes que apresentarem sintomas da doença? Como os professores com comorbidades serão tratados? Como as pessoas com deficiência serão incluídas nesse novo contexto social? Como a matriz curricular será adequada para que os conteúdos sejam tratados de forma adequada? Esses seriam minimamente, os “como e quando” estaríamos preparados para o retorno às aulas e iniciarei as respostas, mesmo ciente de que qualquer resposta é incompleta e tem a temporalidade deste momento em que escrevo. Uma vacina faria todas as respostas diferentes. 

A pandemia está controlada? Para responder a essa pergunta, preciso recorrer às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), que estabelece que para que uma pandemia seja considerada controlada, o indicador de velocidade de Reprodução ou de transmissão, o Rt, precisa estar abaixo de 1 por pelo menos duas semanas. No momento, o Rt está em 1,5 no ES, acima do permitido para o retorno regular.

Os trabalhadores serão testados regularmente? O ideal é que os trabalhadores sejam testados de 15 em 15 dias e, dependendo do contexto da pandemia, da estabilização ou não do numero de casos nos locais, mensalmente. Trabalhadores com sintomas gripais devem ser afastados do trabalho por 14 dias. A garantia de equipamentos de proteção individual (EPIs) para todos os professores é condição indispensável para esse retorno. 

Os estudantes serão avaliados todos os dias na entrada na escola? A exemplo de outros países, um rastreamento na entrada da escola deve ser preparado, que indique a medição de temperatura e a busca de síndrome gripal. O estudante com algum sinal ou sintoma deve ser orientado a ir para casa e um plano de ensino no domicílio deve ser elaborado para esse estudante.

Como serão implementadas as medidas para impedir o bullying e dar apoio aos estudantes que apresentarem sintomas da doença? No seu retorno à escola, devem ser tomadas precauções para que esse estudante não vivencie um ambiente de estigma. Será preciso elaborar uma política para cada instituição.

Como os professores com comorbidades serão tratados? Professores com comorbidades devem ser colocados em trabalho remoto. Esses professores poderão auxiliar estudantes também em educação a distância, atividades de reforço escolar e outras necessidades de cada escola.

Como as pessoas com deficiência (PCD) serão incluídas nesse novo contexto social? Aqui as repostas são menos diretas. PCDs podem estar mais sujeitos ao risco de desenvolvimento de doença grave em caso de infecção pelo SARS-CoV-2 e ao mesmo tempo a permanência destes estudantes no domicílio pode acarretar prejuízo em sua socialização. Cada caso deve ser pensado e decidido com os familiares.  

Como a matriz curricular será adequada para que os conteúdos sejam tratados de forma adequada? Precisamos refletir se é possível manter os conteúdos do ano letivo em um espaço de tempo inferior. E como acelerar esses conteúdos, garantindo, para aqueles que necessitem, condições de acompanhar e desenvolver os conteúdos ministrados.  

Ainda no “como retornar”, a possibilidade de ensino a distância começa a ser pensada. Essa possibilidade traz consigo duas dificuldades. A primeira é “Como garantir iguais oportunidades em uma sociedade desigual?” e a segunda, “Como garantir que cursos com matriz curricular dependente de disciplinas práticas possam ser viabilizados?”. Quanto à primeira questão, uma discussão ampla e honesta precisa ser iniciada com estratégias bem planejadas para sua execução. Quanto à segunda questão, vejo mais dificuldade, pois a exigência de prática inviabiliza o conteúdo de algumas disciplinas. No campo da saúde, por exemplo, é preciso reconhecer que o professor necessitará criar turnos para as turmas, para que se evite a aglomeração e, talvez, uma estratégia mista possa ser avaliada. No entanto, para toda estratégia presencial deve-se considerar todas as respostas anteriores como garantia de segurança. 

Temos mais perguntas que respostas. Mas a única certeza é que as escolas e instituições de ensino só devem ser reabertas quando for seguro para todos. Voltar à escola provavelmente parecerá um pouco diferente do que você estava acostumado. É possível que as escolas reabram por um período de tempo e, em seguida, seja tomada a decisão de fechá-las temporariamente novamente, dependendo do contexto local da pandemia. Para todas as opções anteriores, planejamento, avaliação e monitoramento devem ser implementados durante todo o período, lembrando que estamos em um período de excepcionalidade e que medidas excepcionais devem ser adotadas com o intuito de não deixar nenhum estudante para trás. 

Leia também os artigos anteriores desta série:
A Epidemiologia no enfrentamento da pandemia de coronavírus 
A Epidemiologia no enfrentamento à pandemia de coronavírus - parte 2(link is external)
A Epidemiologia no enfrentamento à pandemia de coronavírus - parte 3
A Epidemiologia no enfrentamento à pandemia de coronavírus - parte 4
A Epidemiologia no enfrentamento da pandemia de coronavírus - parte 5
A Epidemiologia no enfrentamento da pandemia de coronavírus - parte 6
A Epidemiologia no enfrentamento da pandemia de coronavírus - parte 7

*Professora Ethel Leonor Noia Maciel é epidemiologista em doenças infecciosas do Departamento de Enfermagem da Ufes. É uma das responsáveis pelo Laboratório de Epidemiologia do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Ufes

Foto: estudantes secundaristas na Turquia passam por exames para retornar à escola. Mustafa Kaya/Xinhua

Publicado em 24 de Junho de 2020.

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