A Epidemiologia no enfrentamento da pandemia de coronavírus - parte 11

Profissional de saúde, com EPI, aplica teste no dedo de homem com máscara, sentado em uma carteira, em uma sala de aula. Ao fundo, outras pessoas realizam o mesmo procedimento, mantendo o isolamento social

Por Professora Ethel Leonor Noia Maciel*

O objetivo desta publicação é o de colaborar com o debate sobre o retorno às escolas e às atividades escolares, em tempos de pandemia do coronavírus, tendo por base estudos sobre o enfrentamento à COVID-19.

Em relação às escolas, o retorno seguro evidencia desigualdades; e o não retorno aprofunda essas desigualdades estruturais históricas. De um lado, os que defendem a proteção da vida de crianças, de professores e de outros trabalhadores da educação apostam no retorno presencial apenas após a vacina. De outro, aqueles que acreditam que o não retorno traz prejuízos graves à saúde mental das crianças e adolescentes, além de intensificar a violência e a fome (em muitos casos, a escola é a garantia de refeições).

De todo modo, procura-se aqui destacar a importância da participação de gestores, professores, estudantes e comunidade(s) nessa discussão. Afinal, vivemos um momento diferenciado, com a possibilidade de desmistificar o caráter utópico de políticas educacionais, que depositavam nas escolas/instituições de ensino a solução dos problemas sociais, dos problemas de saúde mental das crianças, da segurança contra a violência de suas famílias e até mesmo da fome, questões cuja resolução não estão diretamente nas escolas e que exigem ações intersetoriais..

A pandemia desvelou outras fragilidades de nosso sistema educacional. Vejamos: o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), criado pela Organização das Nações Unidas em 1946, promove os direitos e o bem-estar de crianças e adolescentes em 190 países e territórios. Está presente no Brasil desde 1950. Em seu último levantamento de dados sobre o Brasil, apontou que 40% das escolas brasileiras têm pouco ou nenhum acesso à higiene básica. Em uma pandemia, onde a higiene é uma das formas mais efetivas de controle, esse número é alarmante.

Como então, voltar às aulas com segurança antes da vacina? Fornecendo às escolas os MEIOS para melhorar suas estruturas. Eles não devem ser informados após o anúncio da abertura das escolas. Os meios de promover o retorno devem ser planejados, organizados e implementados antes do fim, que no caso em tela, é o próprio retorno. Só assim, profissionais, pais e familiares se sentirão seguros para o retorno. Precisamos ter uma taxa de reprodução abaixo de 1 em todo o estado: condição necessária, mas não suficiente. Precisamos ter testes sorológicos para o diagnóstico mais acurado da prevalência de infecção nessa(s) comunidade(s). Precisamos do retorno da transmissão local, com capacidade de testagem com RT PCR, o teste molecular e a capacidade de isolamento dos casos suspeitos.

O retorno seguro segue os mesmos princípios de biossegurança que os ambientes de trabalho, guardando as devidas proporções, dos comportamentos de crianças e adolescentes. A pirâmide invertida de biossegurança contra a COVID-19 vale também para esse caso.

O distanciamento físico deve iniciar nos transportes coletivos ou vans, que transportam crianças e adolescentes. E deve seguir na escola, com a garantia de 2 metros de distância entre as carteiras e nas atividades. E o número de pessoas em uma sala deve ser restrito ao tamanho do local, considerando esse distanciamento. Também deve ser observado o espaço para os professores: onde ficarão, onde poderão descansar entre aulas e onde poderão preparar suas atividades.

Nos Controles de Engenharia, a criação de barreiras físicas entre as pessoas deve ser observada quando necessário, com a colocação de divisórias, a separação com barreira de vidro ou outro material que permita a assepsia e a reconfiguração do espaço para permitir o distanciamento físico. Também é importante a observação do fluxo de ar, para o reposicionamento de móveis. As janelas e portas devem permanecer abertas a depender do fluxo de ar no local.

Já em relação a Controles Administrativos, as responsabilidades devem estar bem explicitadas. Quem responde quando há um estudante doente, na impossibilidade de seu retorno para casa? Onde ele será isolado? Quais as referências de saúde e de vigilância epidemiológica ficarão responsáveis por cada território? Qual será o protocolo de testagem e como será a conduta, enquanto aguardamos o resultado do teste? Como deverá ser a conduta para estudantes que se recusarem a aderir às normas de biossegurança? Onde os estudantes poderão lavar as mãos no início das atividades, antes das refeições e na saída? Quem ficará responsável por garantir essa adesão? Quem será responsável pela compra e reposição de sabão e álcool gel? Qual será a conduta durante as refeições na escola? Os Controles Administrativos dizem respeito a todos os fluxos criados para entrada, saída, alimentação, alternância de horários e dias, objetivando reduzir o número de pessoas e, também, os protocolos de limpeza e desinfecção, com responsabilidades definidas para cada passo de quem limpa, como e com qual material. A criação de Procedimentos Operacionais Padrão (POP) deve definir de forma inequívoca as reponsabilidades e o plano de ação em cada evento que ocorrer no local. Treinamentos periódicos devem garantir também que todos entendam seu papel. Um ponto importante deverá ser o protocolo de fechamento em caso de caso suspeito ou confirmado. Esse protocolo deve incluir todos os fluxos de testagem para essa situação.

Em relação a Equipamentos de Proteção Individual (EPI), utilização e a garantia de máscaras caseiras durante todo o período presencial, sua troca e sua utilização durante todo o período de permanência deverão ser explicitadas, sendo o EPI fundamental para a manutenção de um ambiente seguro.

Lembrando também que tanto crianças e adolescentes quanto trabalhadores com comorbidades devem ser mais protegidos e é recomendado que atividades não presenciais sejam mantidas. Outro ponto importante é diferenciar grupos de risco e fatores de risco. Os grupos são compostos por pessoas que apresentam fatores de risco já estabelecidas na literatura científica. Os fatores de risco podem ser biológicos, comportamentais e ambientais. Por exemplo, a obesidade é um fator de risco biológico; a falta de adesão aos protocolos de biossegurança por crianças de menos de 5 anos trata de fatores comportamentais; e a ida à escola de transporte coletivo, seja ele público ou privado, é um fator de risco ambiental.

É preciso também entender a epidemiologia da doença em cada cidade, hoje com velocidades diferentes e com transmissão da enfermidade mais ou menos acelerada. Uma decisão de retorno precisa considerar esse contexto.

Precisamos reconhecer que este ano letivo foi atípico, fugindo da nossa governabilidade sob diferentes aspectos. Talvez esteja perdido para o retorno presencial, mas não está perdido para o conhecimento. Entender que estamos diante da maior crise desde a Segunda Guerra Mundial é fundamental para traçarmos as estratégias. Em paralelo aos planos de biossegurança e aos protocolos de etiqueta, devemos garantir que professores tenham acesso a qualificação e a equipamentos que correspondam às exigências feitas a eles; garantir que estudantes possam ter acesso a equipamentos e a internet de qualidade. A inclusão digital é um direito de todos os estudantes. Garantir acesso a equipamento e internet será a tarefa dos governantes. Se antes lutávamos por acesso a livros, uniformes e material escolar, agora é premente que possamos incluir o acesso digital a todos os estudantes. A Unicef, em seu levantamento de dados do Brasil, apontou que 48% não têm acesso à internet e 49% não têm computador em casa. Para um país que é a nona economia do mudo, é um indicador relevante de que políticas públicas voltadas para a educação precisam ser ressignificadas. E isso tem a ver com direito de acesso à informação.

É oportuno, neste momento, questionar sob quais condições a educação torna-se fundamental para a maioria da população. A escola pode ser um local de entendimento das necessidades de seus estudantes e de pensar, junto com as autoridades, as alternativas para a efetivação da educação plena no século 21, que não pode perder de vista o combate às desigualdades existentes no país. Só assim, conseguiremos sair desse processo melhor do que entramos.

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*Professora Ethel Leonor Noia Maciel é epidemiologista em doenças infecciosas do Departamento de Enfermagem da Ufes. É uma das responsáveis pelo Laboratório de Epidemiologia do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Ufes.

Foto:  Leo Sousa / Fotos Públicas. Comunidade escolar de Jequié-BA passa por testagem de COVID.

Publicado em 18 de agosto de 2020.

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